Mais uma vez com Cartas de Ashley.
Cartas de Ashley são alguns dos melhores momentos da minha história ''Estrelas do verão'' que posto de algum em algum tempo. Espero que gostem 
-Olha, de verdade, a gente precisa enfaixar sua mão de novo. Ela tá...
-Terrível? Horrorosa? É, eu sei. – Ela tentava fazer aquele movimento de pinça com os dedos mas não conseguia chegar até o final. – Vai começar o processo da psicologia ou não?
Bufei e olhei pra ela com uma certeza dó e pena. Eu pensava que sofria muito mais que todos que convivia perto; que egoísta eu era.
-Começa logo. – Ela repetiu.
Respirei fundo e me preparei para falar.
-Sei lá, você vê coisas... coisas mortas, que não existem?
Ela não respondeu de imediato, ficou enrolando e olhou para mim.
-Talvez.
Percebi que ela estava adotando a mesma postura que eu: não ser muito detalhista e falar o mínimo possível sobre aquilo que era verdade (e o que era mentira era um simples ‘’não’’).
Eu pensei em entrar nos detalhes do ‘’Talvez’’ dela mas eu percebi que se ela fizesse isso comigo eu teria ficado numa maré de desânimo. Resolvi continuar com as perguntas.
-É... você... você namora?
Eu não faço a mínima ideia do porquê perguntei aquilo, só me veio na cabeça essas palavras e minha boca falou sem a minha permissão. Cara, que droga! Sei lá, ela poderia... poderia achar que eu era uma... quer dizer, não que isto seja ruim, não, não, mas...
Ela moveu seu corpo para ficar sentada na cama e olhou para mim com um olhar que eu interpretei do tipo ‘’Não se você quiser’’. Cara, eu era horrível em interpretação.
-Bem, eu já namorei. Meus status são ‘’solteira em busca de um príncipe encantado.’’ – Ela riu um pouco e se desconcentrou da dor de sua mão pelo menos por algum tempo. – E você, rainha Elizabeth?
-Eu o que? – Respondi enquanto começava a suar de nervoso. Eu mandei bem mal na pergunta.
-Você namora? Sei lá, já deu um beijo em alguém? Sabe, aqueles beijos de língua e...
-Pode ir parando, ok, eu nunca namorei e nunca beijei ninguém.
Ela sorriu para mim, tentando conter um riso quase eminente.
-Pode rir a vontade, senhora encanto dos príncipes perfeitos. – Comentei em tom de humor.
-Ei ei, nada contra. Eu só... só lembrei de uma história engraçada. – E ela começou a rir.
Era tão bom vê-la assim. Vê-la feliz, vê-la rindo.
A risada dela era tão linda quanto ela e tão estridente quanto a minha vontade de dar um abraço nela naquele momento e nunca mais solta-la. O que há alguns minutos era um caos, virou um paraíso.
-Tipo, eu... – Ela tentava contar a história mas começava a rir no meio. – eu e a Charlotte tivemos o nosso tempo punk. Os nossos cabelos eram coloridos, o meu era azul e o dela era vermelho escuro. – E ela riu de novo. – E teve um dia em que a gente tava tocando o caos por aí e surgiu o assunto do ‘’primeiro beijo’’. – Ela fez uma pausa. - Cara, isso é tão ridículo de contar, eu vou parar a história por aqui.
Eu confesso que fiquei com alguma curiosidade em ouvir sobre o desfecho da história, então resolvi incentiva-la a continuar.
-Vai, conta. – Eu disse, como uma criança animada por um brinquedo.
Ela colocou a mão direita na cabeça e começou a rir novamente.
-Tá, tá. – Ela respirou fundo e voltou o olhar para mim. – Então a Charlotte disse que nunca tinha beijado ninguém e eu, tipo, já tinha beijado uns cinco caras. Só um pequeno adendo, eu tinha treze anos.
-Cara, é sério que você quer ser professora de religião depois dessa? – Brinquei.
-Passado obscuro, rainha Elizabeth. Não sou mais assim desde os quinze e ainda bem que eu deixei de ser assim, sério.
-Por que ‘’ainda bem’’ você deixou de ser assim? Não gostava de quem era?
-Não é isso. É que simplesmente eu procurava a felicidade nas coisas erradas.
Ficamos em silêncio por alguns segundos até ela percebeu que a vibe da história tinha acabado.
-Mas enfim, eu cheguei nela e falei ‘’quer ter o primeiro agora?’’
Eu fiquei boquiaberta e levei minha mão à boca, atordoada e surpresa por essa Ashley da minha frente falar uma coisa dessas no passado. Cara, que loucura.
-Não me julgue, sua opressora. – Ela riu e continuou. – Então ela falou ‘’quero’’ e eu puxei ela pra mim, coloquei minha mão no pescoço dela e beijei ela. – Ela levou os lábios para dentro da boca com um sorriso do tipo ‘’É sério, eu fiz isso’’.
-Eu não acredito que você fez isso. – Disse, rindo. – Mas, tipo, o beijo foi... foi... – Fiquei gesticulando que nem uma doida apenas para perguntar se o beijo tinha sido bom.
-Se o beijo foi bom? Ah, não foi ruim. Eu acho.
Rimos um pouco mais e quando a crise de risos acabou ela olhou para mim com um olhar provocante.
-Quer ter o seu primeiro beijo agora? – Ela perguntou.
Eu (quase) literalmente congelei. Fiquei calada e comecei a suar mais do que já me lembrei que tinha suado na minha vida. Eu me sentia encharcada dentro das minhas roupas e eu não sabia se eu queria responder sim ou não. Simplesmente eu tinha virado uma pedra.
Minha boca se abria e fechava sem emitir nenhuma palavra e ela via isso e provocava mais com o sorriso dela.
-Eu...
-Eu estou brincando, sua boba. – Ela voltou a rir mais do que nunca e se deitou na cama com a crise de risos ainda ativa.
Só digo duas palavras em relação a isso: ainda bem.
Cara, eu acho que nunca fiquei tão nervosa com alguma decisão que nem com essa. Não que eu queria beijar ela, mas também não que eu não queria beijar ela, sabe? Sentimentos e emoções são complicados.
É bobeira, mas ainda assim fiquei pensando no que aconteceria se eu tivesse dito ‘’sim’’.
