-Não podemos ir mais pra trás? Eu vou ficar surda aqui.
-Podemos, claro. - Harry olhou com um sorriso indecifrável para Alicia - Quer um copo de água também? Cara, você é tão idiota as vezes.
Alicia se permitiu ficar quieta enquanto Harry, um homem alto de cabelos ruivos enrolados que chegavam até seus ombros, acabava de beber outra garrafa de cerveja e soltado mais um grito para a banda de punk rock que estourava a audição dos que ocupavam lugares próximos ao palco cantando algo que ninguém entendia por causa dos barulhos mais altos vindos dos instrumentos (em especial da bateria e da guitarra).
As pessoas pareciam loucas quando o vocalista soltava um grito do tipo ''Yeeaaaah'' ou ''Eu amo vocês, Audrie!'', ''Gritem mais! mais alto!''. Mais louco ainda parecia o vocalista de cabelos longos até a cintura que não parava quieto no palco pequeno que foi cedido à banda para fazerem o show no velho chalé abandonado dos Hilton, no meio do nada a não ser por várias árvores sem folhas e algumas até sem o tronco.
Harry resolveu pegar outra cerveja que estava no frigobar gratuito ao seu lado e a abriu com os dentes, dando um grito semelhante a de um animal caçando sua presa quando a espuma saiu da garrafa e escorreu no seu peito nu e continuou descendo até cair no chão. Ele, ainda com a outra garrafa vazia nas mãos, a jogou para trás num ato por instinto.
-Olha, então pode por favor me dar sei lá, um refrigerante? Você sabe que eu não bebo... - Alicia tentou dialogar.
Harry estendeu o braço com uma cicatriz gigante, com os dedos agarrando a garrafa de cerveja para a boca de Alicia.
-Mas podia começar. - Ele levantou a cabeça pra ela. - Bebe logo.
Alicia hesitou, mas teve medo do que Harry poderia fazer se ela recusasse.
Ela pegou a garrafa com uma certa repugnância e antes de leva-la à boca olhou para Harry, que tinha uma expressão séria no rosto vidrada para os olhos esverdeados de Alicia.
-Ei, Harr! - Uma voz veio de trás de Harry sem que Alicia percebesse.
Harry se virou sem nenhuma emoção e olhou para uma garota loura baixinha usando uma jaqueta de couro.
-Não pensei que ia vir aqui. - Harry esboçou um sorriso sem o concluir.
-Eu também não, mas aqui estou. - Ela chegou mais perto dele e olhou para Alicia, ainda com a garrafa na mão.
Alicia sentiu que a menina a olhava com desprezo e repugnância, mas sorriu para ela para demonstrar simpatia.
-Você é a... Ali... Alice, né?
-Alicia. - Ela corrigiu.
-Relaxa Joulles, dá no mesmo. - Harry envolveu seu braço forte no ombro da garota.
Se formava um clima de insegurança e de raiva somado com melancolia e tristeza no íntimo de Alicia pelo comportamento idiota de Harry. Por que ele tem que ser assim? O que eu tinha visto nele? Ela se perguntava mas, na realidade, não queria saber a resposta.
Alicia e Harry estavam juntos há alguns meses, nada muito sério, mas mesmo assim era sério o bastante para deixar Alicia chorando todas as noites pela forma de respeito que o namorado lhe demonstrava. Alicia tinha 18 anos e Harry 22. Parecia ser apenas um namoro adolescente que não deu certo, mas talvez fosse mais trágico.
-Cara, eu tô morrendo de sede. - A mulher comentou.
Harry olhou para ela e olhou para o frigobar aberto.
-Quer que eu peg...
-Pode ficar com a minha. - Alicia estendeu a cerveja para ela.
A expressão de Harry estava normal, mas ele parecia irado por dentro.
-Valeu gata. - Joulles pegou a cerveja e bebeu.
-Um segundo Jou. - Harry foi a frente e pegou o braço de Alicia com força. - Vou conversar com a Alicia um minuto.
Ele saiu a puxando para um lugar com poucas pessoas enquanto ela tentava resistir, sem sucesso.
-Olha aqui. - Harry soltou Alicia e estava com uma expressão irada na face, apontando o dedo para ela. - Você faz o que eu disser. Aquela cerveja era minha. Minha.
Este tipo de discussão sobre o relacionamento acontecia com muito mais frequência entre Alicia e Harry do que em outros casais, e sempre Alicia ficava de boca fechada, se conformava com as duras palavras e chorava. Hoje seria diferente.
Alicia se lembrou de como Harry pôs seu braço no ombro de Joulles e da forma como ele a chamou de idiota. Sua expressão ficou irada enquanto o vento soprava seus cabelos negros.
-Entendeu, idiota? Entendeu?- Ele segurou o ombro dela com força. - Ou é burra de mais pra entender isso?
-Talvez eu seja burra de mais pra ter aceitado segurar sua mão. - Ela falou e num movimento rápido tirou o braço dele dos seus ombros. - Nunca mais me toque.
Harry ficou calado e surpreso. Seus cachos beijados pelo fogo voando e caindo no seu rosto e olhos azuis de cristal.
-Você já parou pra pensar como você me trata? Já parou pra pensar se você me ama de verdade? Você sabe o quanto eu sofro sempre que eu fico perto de você? - Alicia continuava.
A música começou a ficar mais alta, ou melhor, a bateria e a guitarra haviam ficado mais altos. Ninguém conseguia escutar quase nada além dos instrumentos musicais, fazendo com que Alicia tivesse que gritar para ser ouvida.
-Talvez eu seja só uma das suas ''garotas'', talvez aquela tal de Joulles deva beijar sua boca sempre que eu não estou perto. Pra mim chega. Chega!
Harry agarrou o ombro dela e ela se soltou, indo em direção à floresta escura.
-Tudo bem, vai lá! Ninguém vai querer ficar com uma cretina mesmo. - Ele gritava. - O que eu fiz foi caridade! Acabou, já era nós dois.
Alicia começou a lacrimejar e à proporção que os passos eram dados na floresta ela soltava um rio de lágrimas, manchando sua maquiagem e seus sentimentos toda vez que ela se virava para trás e pisava mais forte nos galhos soltos das árvores e na grama pisoteada pelas pessoas do show de rock que passaram por lá.
O som da banda diminuía ao passo que ela se distanciava do show.
De repente Alicia ouviu algumas vozes masculinas vindas de trás das árvores que diziam ''Ei gata'', ''Chega mais perto da gente'', ''Vem aqui''. Isto tudo somado com algumas risadas, o que fizeram Alicia começar a correr mais para o centro da floresta e, a medida que corria, ela não aguentou e tropeçou numa raiz exposta de uma árvore, fazendo-a cair no chão de terra, manchando sua roupa e sua auto-estima.
Alicia começou a chorar mais e colocou suas duas mãos no rosto, apertando-os a ponto de saírem dos olhos.
-Eu me odeio. Eu me odeio. Eu sou uma idiota. - Ela falava enquanto soluçava.
O choro não se continha e Alicia parecia mais uma fonte do que uma pessoa. Sua aparência estava totalmente estragada e ela tinha um sangramento na perna devido a queda.
-Eu me odeio, eu me odeio, eu me odeio! - E ela começou a bater em si mesmo com força.
Isto durou tempo suficiente para que uma garota de estatura alta de cabelos louros mesclados com mechas verdes segurasse o braço dela para conter sua crise.
Alicia se tocou que havia uma presença banhada pela luz da lua na sua frente e tentou parar de chorar, mas se lembrou de sua aparência e começou a chorar mais ainda.
-O que foi garota? Levou um pé na bunda de alguém?
Alicia colocou as mãos no rosto e ficou soluçando. Dentro dela só existia um vazio, um vazio muito espaçoso e grande.
A garota se ajoelhou diante dela e tirou as mãos de Alicia do rosto.
Em meio a esta troca de olhares claros, as duas ficaram imóveis e observadoras diante da outra.
-Eu sou Nia. - A garota se apresentou. - E você? Tem nome?
-Ali... Ali...
-Ok, Ali Ali, prazer. - Ela sorriu para Alicia. - Deixa eu adivinhar, o problema é algum homem? Se for, eu prometo que eu vou te...
-É. - Ela falou, ainda soluçando. - O nome dele é Harry.
-Ok, ok garota. Olha pra mim.
Ela continuou olhando para o chão.
-Olha pra mim. - Suavemente, Nia levou seus dedos serenos à cabeça de Alicia e a levantou para chegar a medida de seus olhos.
-Olha, você é linda. Você é linda de mais, deve ser simpática de mais, deve ser sentimental de mais e incrível de mais pra ficar sofrendo nessa droga de floresta cheirando a vômito por um babaca. Qual é o seu nome?
Alicia ainda chorava, mas desta vez conseguiu lhe dizer o nome completo.
-Ok Alicia. Nome bonito. - Nia se aproximou dela. - O que eu posso fazer pra você confiar em mim e levantar dessa droga de chão?
-Eu não, eu não... - Ela ficava negando com a cabeça.
Ainda dava-se para ouvir o som da música do show de rock tocando e as risadas de algumas pessoas indo em direção ao show. O vocalista cantava algo como ''Don't let me down, don't let me down''.
Os sopros do vento ressoavam na pele das pessoas que lá estavam enquanto gemiam produzindo um barulho estranho como uivos de um lobo ou aparição de um fantasma
-Ah, dane-se. - Nia, de súbito, disse e avançou no corpo de Alicia, tocando seus lábios com os dela.
Alicia sentiu o coração palpitar e o peito esquentar. Tudo parecia ter parado de girar para ela e ao mesmo tempo tudo girava em torno dela.
Nia, por fim tirou seus lábios dos dela e voltou ao lugar em que estava ajoelhada. As duas trocaram olhares claros novamente, porém mais lúcidos e sentimentais.
Alicia ainda estava com a boca meio aberta quando Nia resolveu falar algo.
-Melhorou seu humor?
Ela não respondeu, apenas sorriu levemente.
Nia retribuiu o sorriso e segurou as mãos doces de Alicia.
-Olha, só pra você saber eu não... com todo o respeito mas eu... eu não sou, tipo... - Nia tentou gesticular o que queria dizer.
-Ah, eu.... não, não, não, eu também não.... não sou. - Alicia se sentiu envergonhada e levou uma mecha de cabelo que estava nos seus olhos para a orelha.
Nia se levantou rapidamente e estendeu a mão para Alicia, que segurou-a e se levantou.
Aqui ta parecendo um chat individual kkkkk.
